quarta-feira, 30 de março de 2016

Matéria bombástica

 Alguns dias atrás, Renato chegou em casa cedo e não tinha nada pra fazer. Decidiu ver televisão e, no meio de tantos programas sem graça, achou um que considerou interessante. Era um desses programas que registram acontecimentos na área policial.
Ele ficou impressionado com a história da mãe que abandonou seu filho recém-nascido no depósito de lixo de uma empresa. Por sorte, um funcionário da empresa achou o bebê ainda vivo depois de dois dias naquela situação. O bebê foi levado ao hospital e sobreviveu. E a mãe? O noticiário informou que ninguém sabia seu paradeiro. Ela foi reconhecida por imagens registradas por câmeras da empresa, mas ainda não havia sido localizada pelos policiais.
Logo após, o jornalista, de modo chamativo e extravagante, informou que havia uma matéria bombástica que seria exibida em seguida, após os comercias, é claro.
Renato aguardou ansiosamente os comerciais porque queria ver que matéria seria mais chamativa do que aquela do filhinho recém-nascido abandonado pela mãe. E depois de fazer um pouco de suspense, o apresentador pediu para que sua equipe colocasse a matéria no ar.
Mas o que Renato viu o deixou insatisfeito. Ele esperava algo de outro mundo, algo realmente inesperado e original, mas a matéria era totalmente comum para os padrões do Brasil.
Era uma filmagem que mostrava um político bem conhecido recebendo propina de um empresário do ramo de licitações. A matéria focava o momento em que o político colocava o dinheiro na cueca.
Renato, indignado com o apresentador, desligou a televisão e foi ouvir um programa de piadas no rádio.


“Vamos celebrar a estupidez humana. [...] Vamos celebrar a aberração de toda a nossa falta de bom senso. […] Vamos celebrar a estupidez do povo. Vamos celebrar nosso governo e nosso estado que não é nação. [...] Vamos celebrar os preconceitos, o voto dos analfabetos.” Trechos da música Perfeição da banda Legião Urbana.

quarta-feira, 16 de março de 2016

Idas e vindas

Os dias passavam tão devagar. O tempo parece que havia parado depois que ela se foi. Gilberto mantinha-se ocupado a maior parte do tempo, trabalhando, estudando, jogando futebol e trabalhando mais ainda, até mesmo em casa. Ele tinha que manter a sua mente longe de qualquer pensamento, pois tudo que vinha à sua cabeça, cedo ou tarde, acabava indo na direção dela.
Já havia se passado quatro longos meses desde que ela partiu em direção ao que sempre quis: viajar pelo mundo, conhecer a cultura de outros povos, sem preocupação, sem vínculos, sem peso na consciência. Ela queria ser livre e tinha deixado isso bem claro a Gilberto. Um dia ela partiria e não voltaria mais.
Ele já sabia, mas acreditava que ela acabaria desistindo do seu sonho por causa dele. Triste ilusão. Quem sabe o que ele mais gostou nela foi essa expectativa, essa esperança, de poder fazer com que ela mudasse de idéia. Ou até mesmo esse medo que ele tinha de que ela fosse embora de repente.
De qualquer forma, agora ela estava bem longe e ele não tinha mais nem notícias dela. Sabia que ela não voltaria e as coisas estavam ficando cada vez mais difíceis.
Seus amigos tentavam ajudá-lo, levando-o a lugares em que pudesse conhecer outras mulheres. Ele geralmente não ia, mas de vez em quando ele tinha que ir. Seus amigos eram insistentes. E algumas mulheres apareciam e, em cada uma delas, via o sorriso da sua antiga namorada, o que acabava distanciando-as.
Mas um dia, talvez por acaso, outra mulher cruzou o seu caminho em seu trabalho. Era a sua nova colega de trabalho. Uma mulher nova e audaciosa; tinha muitos objetivos. Gilberto gostou dela instantaneamente. E, aos poucos, ela também foi se interessando por ele, embora ele não notasse. Via que ele era muito solitário, que parecia perdido.
Um dia ele teve coragem de chamá-la para jantar e ela aceitou. Conversaram bastante e eles se encantavam cada vez mais um pelo outro. Parecia que combinavam em tudo. Dava para perceber algo diferente nos seus olhares.
E, no fim da noite, quando a deixava em casa, Gilberto pediu que ela esperasse que ele abrisse a porta do carro e, quando a abriu, fez um gesto com a mão para que ela segurasse na mão dele e a retirou do veículo.
Ele, então, entrelaçou sua mão com a dela e chegou bem perto do rosto dela, percebendo que ela estava adorando aquele momento. Chegou ainda mais perto e a beijou.
Ele queria começar um namoro ali mesmo, mas não queria parecer desesperado. Eles começaram a se encontrar e, somente no sexto encontro, Gilberto fez o pedido.
- O que você acha de passarmos pro próximo nível? – ele perguntou de forma engraçada.
- Nível? Você deve ser viciado em vídeo game, né? Que nível seria esse? – ela perguntou, mantendo a forma bem humorada.
Ah... Você sabe. Tipo namorar, relacionamento sério, essas coisas que duas pessoas que se gostam fazem. Captou a mensagem? – ele ainda usava o tom engraçado.
- Puxa, eu não sei se estou preparada... – ela respondeu com a expressão séria. Ele ficou surpreso e com uma expressão de decepção. – Ah, seu bobo, eu só queria ver a sua reação – ela disse rindo e depois deu o tão aguardado sim, dizendo que já estava esperando o pedido desde o segundo encontro.
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É preciso amar direito, um amor de qualquer jeito. Ser amor a qualquer hora, ser amor de corpo inteiro”. Trecho da música Amor maior da banda Jota Quest.

PS: O blog tá com um novo "topo". E quem fez foi a Mônica do blog Leitora Cretina. Gente finíssima! Se quiser fazer o seu, mande um e-mail para leitoracretina@gmail.com, com o assunto TOPO e encomende o seu sem custo algum. 

quarta-feira, 2 de março de 2016

Um dia quase perfeito

João acordou pensando que tudo ia dar certo. Parecia o dia perfeito e tudo se encaminhava muito bem.
O dia começou lindo, um sol brilhante lá fora iluminava os primeiros segundos do dia. Um café delicioso estava servido na mesa da cozinha e ele não estava atrasado para chegar ao trabalho.
No trabalho as coisas foram fluindo naturalmente e ele conseguiu realizar todas as suas atividades previstas e mais algumas que estavam pendentes. Até a sua secretária, que não é bem-humorada normalmente, estava de muito bom humor. Seu chefe foi até a sala de João para elogiá-lo pessoalmente.
Ele tinha mandado flores para sua esposa mais cedo e ela tinha adorado.
Puxa, que dia incrível!
Mas, na volta pra casa, aconteceu o imprevisto. Dois pneus do seu lindo carro furaram e, depois de algum tempo tentando resolver a situação com telefonemas, descobriu que a ajuda só chegaria em uma hora.
Ele decidiu deixar o carro ali e pegou um táxi, afinal sua mulher o esperava em casa para comemorar o primeiro aniversário de casamento deles.
Mas o taxista era estrangeiro e entendeu errado o endereço que ele lhe deu e começou a andar na direção completamente oposta para o desespero de João. E nada lhe convencia de que estava no caminho errado.
Depois de quase meia hora argumentando, o taxista entendeu o que João estava dizendo e pegou o caminho certo. Mas, para fechar a cota de azar do dia, o taxista, que estava dirigindo de forma maluca e imprudente, bateu na traseira de outro carro, sem danos físicos a nenhum dos envolvidos.
O motorista do outro carro partiu pra cima do taxista e João ficou sem saber o que fazer, apesar de achar muito engraçada a cena do motorista tentando discutir com o taxista, que aparentemente não sabia uma palavra sequer de português e o outro também não entendia o dialeto do taxista, que esbravejava, de maneira muito cômica, palavras que João acreditava ser do idioma russo.
Depois de aproximadamente dez minutos tentando pagar pela corrida e apaziguar os nervos dos dois motoristas, João entregou vinte reais ao taxista, voltou à calçada, viu uma loja ali perto e teve uma ideia.
Esses acontecimentos causaram um atraso de quase duas horas. Ele sabia que sua esposa provavelmente estava triste porque ele não conseguiu avisá-la, já que seu celular estava inesperadamente descarregado.
Quando ele finalmente chegou, bateu na campainha e ela abriu a porta.
- Surpresa! - ele disse alegremente.
De repente, o rosto dela transformou-se na expressão mais genuína de alegria que ele já tinha visto.
Por conta do atraso e da data especial, ele decidiu que deveria fazer uma surpresa para a sua linda esposa. E nada melhor do que presenteá-la com o que ela mais queria ganhar: um filhote de cachorro da raça Spitz.
- Obrigada, meu amor – ela disse e o beijou como se fosse a primeira vez.
Depois de uma noite maravilhosa juntos, ela disse que tinha ficado mais preocupada do que triste com o atraso dele, pois ela sabia que ele geralmente era muito pontual e sentia que algo tinha acontecido. Ele respirou aliviado. Realmente foi um dia quase perfeito, ele pensou.


São as pequenas coisas que valem mais. É tão bom estarmos juntos e tão simples. Um dia perfeito”. Trecho da música Um dia perfeito, da banda Legião Urbana.