sexta-feira, 24 de junho de 2016

Mal-humorada

Rita era universitária, fazia o curso de Direito, tinha casado há poucos meses e tinha uma vida aparentemente feliz, especialmente nas redes sociais. Lá sua vida era uma maravilha, cheia de viagens para lugares magníficos e saídas noturnas para restaurantes e boates chiques.
Entretanto, por mais que sua vida estivesse aparentemente muito bem resolvida, ela vivia resmungando de coisas banais, estava quase sempre mal-humorada.
Na sala de aula, ela não cumprimentava a maioria das pessoas e algumas vezes até virava a cara. Reclamava das aulas e dos professores, alegando que estes não sabiam passar o conteúdo. Devia ser esse o motivo de suas notas baixas.
Recentemente, ela começou a realizar uma obra na fachada da casa, mas depois de uma semana decidiu refazer tudo novamente porque não tinha gostado do visual que ela mesma tinha pretendido com a mudança.
O mestre de obras já conhecia a fama de Rita, pois seus colegas já o tinham avisado que ela gostava de desfazer projetos por puro capricho ou teimosia. Na construção da casa, três mestres de obras pediram para abandonar o projeto porque não suportaram as exigências dela. Como era uma obra pequena, ele tinha aceitado, mas estava querendo desistir da empreitada.
Ninguém aguenta essa mulher – ele chegou a dizer ao seu ajudante.
Dias atrás, ela estava assistindo uma reportagem sobre pessoas que passaram por situações dramáticas, mas que preferiam ver o lado bom das coisas, como um homem que perdeu uma perna e, depois de meses de depressão, viu sua vida se transformar completamente e se sentia muito mais feliz do que antes do acidente.
Havia também um pequeno agricultor que tinha perdido uma plantação inteira por causa das condições climáticas adversas. Ele sabia do prejuízo financeiro, da crise que estava passando, mas ele preferia sorrir e agradecer porque tinha uma terra para plantar e uma família linda para cuidar, afinal seu neto tinha acabado de nascer.
Essas histórias eram emocionantes para a maioria das pessoas, mas Rita não conseguia ver motivos para sorrir ou agradecer e a sua mente só via as perdas da perna e da plantação.
Algumas pessoas diziam que ela era assim porque era mal-amada e que seu esposo não a satisfazia, mas não era esse o caso. Eles se davam bem, tinham um relacionamento dentro da normalidade.
E ele era um sujeito alegre, divertido, simpático, educado e era conhecido por seus amigos como gente boa. Ele parecia não ver os defeitos da mulher. Mas ultimamente ele tinha começado a notar algumas indelicadezas da parte dela e uma dúvida começou a surgir em sua mente.
Seu marido tentou salvar seu casamento durante alguns meses, mesmo não vendo nenhuma melhoria no humor dela. Mas ela aparentemente não queria mudar, talvez pensasse que não tinha motivos para isso e que era assim mesmo e continuaria assim e ele teria que aceitá-la do jeito que ela é.
Ele tentou utilizar argumentos lógicos e exemplos de pessoas que mudaram de atitude e tiveram grandes resultados, mas ela parecia nem ouvir. Seu mau humor tinha interferido na sua maneira de enxergar o mundo e de ouvir opiniões divergentes. Ela estava fechada para novas formas de ver a vida e por isso o seu casamento acabou e suas amizades desapareceram.
E, de repente, ela se viu sozinha. Quem sabe uma hora dessas ela consiga ver o lado positivo das coisas e sua vida mude para melhor.


Muda, que quando a gente muda o mundo muda com a gente. A gente muda o mundo na mudança da mente. E quando a mente muda a gente anda pra frente.” Trecho da música Até quando, de Gabriel, o Pensador.

terça-feira, 14 de junho de 2016

A volta

Sílvio e Aline estavam namorando há dois meses. Ele tinha grandes planos para eles, mas ela não estava preparada para tantos planos. Queria simplesmente um bom companheiro, alguém que a divertisse e a levasse a bons lugares.
Ele começou a desconfiar que ela estava saindo com outra pessoa e começou a tratá-la de maneira mais fria e rude, e ela achou estranho, pois ele sempre a tratou de forma educada, com respeito e carinho.
Depois de alguns dias, o relacionamento deles começou a esfriar. Ela já não tinha mais a diversão que queria e ele não tinha o amor que tanto desejava.
Ela, então, disse que o namoro não estava mais dando certo, que o encanto havia acabado e terminou o relacionamento. Ele ficou muito triste por dentro, mas não demonstrou qualquer sentimento e disse que aceitava numa boa.
Ficaram sem se falar por alguns dias e ela não tinha notícias dele nem quando pesquisava nas redes sociais, o que a deixou curiosa para saber o que ele andava fazendo naqueles dias. Ela chegou a perguntar a alguns amigos em comum, mas nenhum deles soube dar muitas informações, pois Sílvio começou a sair sozinho ou com outras companhias.
Depois de quinze dias, ela não resistiu e o chamou pra conversar por meio de um aplicativo de celular.
- Oi. Eu ando pensando muito em você esses dias e acho que a gente precisa conversar.
- Por mim tudo bem – ele respondeu depois de alguns minutos.
No outro dia se encontraram e Aline perguntou o motivo da mudança do comportamento de Sílvio no relacionamento antes do término. Depois de enrolar um pouco, ele abriu o jogo e disse que imaginava que ela saía com outro homem e ela disse que não havia ninguém, que só estava com medo de tantos planos, que o namoro era recente e por isso ainda não queria pensar no futuro, queria aproveitar o presente.
Ele sentiu que ela falava a verdade pela forma que ela se expressou e fez um sinal com a cabeça concordando.
- Eu sei que me precipitei. A gente devia ter essa conversa antes – ela disse, meio sem graça. – Quero saber se você... quer – ela estava falando muito pausadamente, demonstrando insegurança.
- Quero – ele disse, com firmeza, e ela ficou aliviada.
A partir de então, ela se entregou ao amor. Ainda queria diversão, mas não queria só isso. Ele voltou a ser quem sempre foi e as coisas finalmente se acertaram.


Meu amor, cuidado na estrada e, quando você voltar, tranque o portão, feche as janelas, apague a luz e saiba que te amo”. Trecho da música Quando você voltar, da banda Legião Urbana.

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Ajuda fatal

Jean era um músico talentoso, tocava e cantava à noite em bares e pubs pela cidade. Sua pequena fama e reconhecimento aguçaram seu ego e ele acabou caindo na armadilha da droga, que foi entrando lentamente na sua vida, por meio de membros e de fãs da sua banda.
Depois de quatro anos usando vários tipos de drogas ilícitas, sua pequena fama acabou completamente. Ninguém queria contratá-lo para uma apresentação musical, os supostos amigos sumiram e sua aparência deixava transparecer o uso de crack.
Ele já havia passado por tratamento e sua namorada tentava ajudá-lo a superar a situação.
Infelizmente, dois anos depois a situação se agravou e o pior aconteceu.
Depois uma longa noite de uso de crack, álcool e cigarro, Jean acordou e viu sua namorada morta ao seu lado, apunhalada por vários golpes de faca. Logo em seguida, ele foi preso, mas disse que não se lembrava de nada.
Um psiquiatra, entrevistado por uma emissora de televisão, após a notícia chocar a cidade, disse que talvez Jean não se lembrasse mesmo do que tinha feito. Ele disse que, em casos de uso recorrente de drogas, é comum a perda de memória recente.
Tudo que Jean se lembrava é que ele e a namorada tiveram uma discussão como tantas outras. Talvez a morte de Karen – a namorada de Jean - tenha sido causada por sua tentativa de evitar que ele usasse a droga. Ela morreu por tentar ajudar o seu próprio namorado.
Muitos poderiam pensar que ela deveria ter terminado o namoro e que seguisse a sua vida, mas Karen o amava e não iria abandoná-lo quando ele mais precisava de apoio e ajuda.
A sua decisão acabou causando a sua morte, mas no fim ela sabia que tinha tentado fazer o que era certo aos olhos dela.


Há jovens nas esquinas, com drogas nas mochilas, curtindo uma liberdade artificial.” Trecho da música “Uma canção de amor pra você”, da banda Catedral.