terça-feira, 30 de abril de 2019

Um dia no Judiciário

Agenor, servidor da Justiça, chegou cedo ao trabalho, bateu o ponto, conversou um pouco com seus colegas, fez algumas piadas sobre futebol e depois começou a trabalhar.
Era um dia normal e as pessoas chegavam para as suas audiências e lotavam as dependências do Juizado Especial Cível, juizado de pequenas causas, como é chamado normalmente.
De repente, uma pessoa chegou, parecendo desesperada, perguntando quando seu processo teria um fim.
Moço, o gás lá de casa acabou. Tô precisando desse dinheiro.
O servidor, muito calmo e tentando ser o mais claro possível, disse:
Meu senhor, se você for depender do dinheiro desse processo para colocar gás na sua casa, infelizmente sua família vai passar fome. Esse dinheiro, se sair mesmo, ainda vai demorar um pouco.
Enquanto Agenor falava, outro servidor, que estava em outra sala, achou graça da situação e caiu na gargalhada. E pensou se não fosse trágico, seria cômico.
O senhor não acreditou muito no servidor e decidiu que queria falar com o juiz.
Pois eu vou falar com o juiz. Ele tem que resolver meu caso. É urgente. Eu tô precisando.
O servidor, ainda mantendo a calma, tentou esclarecer mais uma vez a situação:
Meu senhor, você vê esses processos? – o servidor mostrou uma prateleira cheia de processos. – Todas essas pessoas estão precisando, talvez até mais do que o senhor.
Mas o meu caso é urgente…
Eu entendo, senhor. Tudo aqui é urgente, mas eu vou tentar analisar o seu caso esses dias, mas não garanto que o senhor vá ganhar a causa. E, mesmo que o senhor ganhe, pode ser que demore um pouco para o senhor receber esse dinheiro. Eles podem recorrer, não pagar, retardar, embargar…
Oh, meu Deus, eu pensei que esse dinheiro já tava garantido; já até comprei umas coisas confiando nesse dinheiro. O advogado me disse que essa a gente ganhava fácil…
Ganhar é uma coisa. Pegar o dinheiro é outra coisa. Às vezes, tem gente que ganha, mas não leva. O senhor não devia comprar coisas confiando num dinheiro que pode nem sair.
O senhor já estava ficando mais do que desesperado e parecia não compreender a situação.
Pra ficar bem claro, senhor, eu vou analisar o seu processo, vou levar pro juiz, que vai dizer se você tem razão ou não. Se o senhor tiver razão, a outra parte pode recorrer e aí vai demorar mais um pouco. Se não recorrerem, aí eles tem o prazo para pagar. Se eles não pagarem, o senhor pede a penhora. Se for encontrado dinheiro ou bens para penhorar, eles ainda podem embargar, e aí pode demorar mais um pouquinho pra sair outra decisão. Depois disso, eles ainda podem recorrer de novo…
Meu Deus, só devedor tem direito nesse país…

O senhor, já com a idade avançada, saiu desconsolado, sem saber como pagaria o gás de sua casa.

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 “Vamos esquecer a nossa gente, que trabalhou honestamente a vida inteira e agora não tem mais direito a nada.”. Trecho da música Perfeição, da banda Legião Urbana.




6 comentários:

  1. Que triste!
    Mas é a verdade desse país, infelizmente.
    :(

    Beijooos

    Teca Machado
    www.casosacasoselivros.com

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  2. Oi Diego, tudo bem?
    Fiquei na bad lendo essa história. :(
    Enquanto grandões no poder recebem auxílio até pra comprar terno, gente pobre tem que se ralar pra conseguir pôr comida na mesa. O Brasil é injusto demais.
    Beijos,

    Priih
    Infinitas Vidas

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  3. Olá, Diego.
    Infelizmente essa é a realidade do que acontece diariamente no nosso país. E as vezes quando consegue receber a peoa já está até morta e quem se beneficia são os filhos.

    Prefácio

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  4. Poxa, que triste essa história! E mais triste ainda é saber que é uma realidade, né? :(

    Um beijão,
    Gabs | likegabs.com.br

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  5. Oi Diego,
    Texto triste, mas muito real. Principalmente com as coisas que anda acontecendo.
    Amei vc ter usado o gás pra exemplificar.

    até mais,
    Canto Cultzíneo

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