Agenor, servidor da Justiça,
chegou cedo ao trabalho, bateu o ponto, conversou um pouco com seus
colegas, fez algumas piadas sobre futebol e depois começou a
trabalhar.
Era um dia normal e as pessoas
chegavam para as suas audiências e lotavam as dependências do
Juizado Especial Cível, juizado de pequenas causas, como é chamado
normalmente.
De repente, uma pessoa chegou,
parecendo desesperada, perguntando quando seu processo teria um fim.
– Moço, o gás lá de casa
acabou. Tô precisando desse dinheiro.
O servidor, muito calmo e
tentando ser o mais claro possível, disse:
– Meu senhor, se você for
depender do dinheiro desse processo para colocar gás na sua casa,
infelizmente sua família vai passar fome. Esse dinheiro, se sair
mesmo, ainda vai demorar um pouco.
Enquanto Agenor falava, outro
servidor, que estava em outra sala, achou graça da situação e caiu
na gargalhada. E pensou se não fosse trágico, seria cômico.
O senhor não acreditou muito
no servidor e decidiu que queria falar com o juiz.
– Pois eu vou falar com o
juiz. Ele tem que resolver meu caso. É urgente. Eu tô precisando.
O servidor, ainda mantendo a
calma, tentou esclarecer mais uma vez a situação:
– Meu senhor, você vê
esses processos? – o servidor mostrou uma prateleira cheia de
processos. – Todas essas pessoas estão precisando, talvez até
mais do que o senhor.
– Mas o meu caso é urgente…
– Eu entendo, senhor. Tudo
aqui é urgente, mas eu vou tentar analisar o seu caso esses dias,
mas não garanto que o senhor vá ganhar a causa. E, mesmo que o
senhor ganhe, pode ser que demore um pouco para o senhor receber esse
dinheiro. Eles podem recorrer, não pagar, retardar, embargar…
– Oh, meu Deus, eu pensei
que esse dinheiro já tava garantido; já até comprei umas coisas
confiando nesse dinheiro. O advogado me disse que essa a gente
ganhava fácil…
– Ganhar é uma coisa. Pegar
o dinheiro é outra coisa. Às vezes, tem gente que ganha, mas não
leva. O senhor não devia comprar coisas confiando num dinheiro que
pode nem sair.
O senhor já estava ficando
mais do que desesperado e parecia não compreender a situação.
– Pra ficar bem claro,
senhor, eu vou analisar o seu processo, vou levar pro juiz, que vai
dizer se você tem razão ou não. Se o senhor tiver razão, a outra
parte pode recorrer e aí vai demorar mais um pouco. Se não
recorrerem, aí eles tem o prazo para pagar. Se eles não pagarem, o
senhor pede a penhora. Se for encontrado dinheiro ou bens para
penhorar, eles ainda podem embargar, e aí pode demorar mais um
pouquinho pra sair outra decisão. Depois disso, eles ainda podem
recorrer de novo…
– Meu Deus, só devedor tem
direito nesse país…
O senhor, já com a idade
avançada, saiu desconsolado, sem saber como pagaria o gás de sua
casa.
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“Vamos
esquecer a nossa gente, que trabalhou honestamente a vida inteira e
agora não tem mais direito a nada.”.
Trecho da música Perfeição,
da banda Legião Urbana.